O marcado do tempo

Uma das fantasias recorrentes das pessoas que são muito ocupadas é que existisse um mercado onde cada um pudesse comprar um pouco de tempo. Chegar a um quiosque e dizer a alguém “Hei, sócio! Tu que não tens nada para fazer, por que é que não me vendes duas horas?”. A esse sítio iriam os mais velhos com muitíssimo dinheiro comprar aos mais jovens alguns anos. Haveria uma fila à parte para os condenados à morte pela justiça, outra muito comprida para os desenganados pelos médicos, e um departamento, guardado por muitos guarda-costas, com uma oferta especial de tempo para os políticos que não tenham cumprido as suas promessas.

Eu, que tenho boa memória para essas coisas, recordo-me que me prometeram um futuro luminoso. Asseguraram-me, no meio de uma praça que partilhei com quase um milhão de pessoas, que a riqueza seria obtida por meio da consciência e que não havia força no mundo capaz de impedir esse propósito. É verdade que não me deram uma data certa para isso, tenho de admitir, mas também é certo que ninguém desmentiu os cronistas do triunfalismo, os poetas da utopia que cantavam ao deslumbre que aí viria. “Somos um povo que conhece o nome do futuro”, diziam os jograis; negávamos o pão e o sal aos incrédulos e gastámos a nossa juventude, os tempos de ouro da nossa juventude, numa quimera sem sentido.

Agora, que perdemos a esperança e a paciência, o tempo tornou-se caríssimo e eles delapidaram todo o capital com que o podiam comprar.

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